27 de julho de 2010

Cinderela: Do conto ao Cinema


Que garota, durante a infância, nunca sonhou em se tornar princesa como Cinderela? Esse conto de fadas de uma forma ou de outra sempre estará presente em nosso imaginário. Da garota mais romântica à garota mais independente sempre haverá um espaço para essa história ser recontada e reinventada.

O conto que fala sobre Cinderela é um dos mais populares do mundo, sua origem é atemporal e há inúmeras versões da história. Há nessa narrativa muito mais do que uma trama romântica. Cinderela é possivelmente um dos arquétipos mais enraizados, narrados e recontados da cultura ocidental e insere seus leitores/espectadores na linguagem dos símbolos. Desta forma, o seu eixo dramático desenvolveu inúmeras outras obras da literatura ao cinema. As diferentes versões do conto acabam por renovar, em linguagem verbal ou não, esse conto de fadas onde há uma história de amor com final feliz, incluindo elementos, ou alterando os papéis temáticos das personagens.

Basicamente, o conto aborda virtudes como a beleza, bondade, amizade, paciência e esperança. Cinderela apesar de ter essas virtudes, perdeu a proteção dos seus pais e assim, fica privada dos direitos familiares. Cinderela funciona como um símbolo da mulher pobre que ascende socialmente através do matrimonio, pois sua beleza e bondade seduzem o seu príncipe/protetor.

A versão mais conhecida para o argumento de Cinderela é essa: "Um gentil homem viúvo e com uma filha casa-se com uma viúva com duas filhas. Uma vez dona e senhora da casa, a madrasta domina o marido e maltrata a enteada. As filhas da madrasta chamam-lhe Cinderela porque está sempre suja com fuligem da chaminé; no entanto, é elegante por natureza. Um dia o filho do rei decide fazer um baile para o qual convida todas as moças distintas da região, incluindo as duas irmãs. Sozinha e humilhada, Cinderela desata a chorar. Então aparece a sua fada-madrinha que, com a varinha mágica, transforma uma abóbora numa bela carruagem, os seis ratinhos em fogosos cavalos e os seis lagartos em criados. Por último, a fada transforma os seus trapos num magnífico vestido e as suas sapatilhas num par de sapatos de cristal. Antes de se despedir, a fada-madrinha recomenda-lhe que regresse antes da meia-noite. O príncipe passa toda a noite com Cinderela, mas a rapariga sai a correr sem se despedir quando ouve a primeira balada da meia-noite. O jovem segue-a, mas não consegue alcançá-la; na fuga, Cinderela perde um sapatinho. Poucos dias depois o filho do rei anuncia que se casará com a pessoa cujo pé sirva no sapato. Todas as donzelas da corte experimentam-no, mas ninguém o consegue calçar. Apesar da zombaria das duas irmãs, Cinderela consegue experimentar o sapatinho. Para espanto de todos, ela é a bela donzela que se casará com o príncipe."

O primeiro registro dessa narrativa é de 860 a.C. na China, onde havia o costume de enfaixar os pés das meninas, o que comprometia os seus movimentos e assim, sua autonomia. Os pés pequenos/atrofiados tornaram-se um símbolo de beleza. No ocidente a primeira versão que se tem registro é do italiano Basile em 1637, mas a primeira versão a ganhar fama foi a de Perrault. Perrault fez com Cinderela o mesmo que fez com outros contos da tradição oral européias, os adaptou para o gosto da corte do Rei Luis XIV: relatando um grande baile com vestidos belíssimos, penteados, muitos criados e introduzindo o elemento do sapatinho de cristal. Na versão de Perrault há espaço para o perdão concedido por Cinderela às irmãs. Já na versão dos irmãos Grimm além de não existir a figura da fada madrinha, há espaço para a punição, pois dois pombos picam os olhos das irmãs deixando-as cegas.

A fada madrinha é um personagem muito importante no conto. Recorrendo à magia ela transforma os objetos mais humildes em artigos de luxo. De certa maneira ela representa alguém de estatuto superior ao de Cinderela, e que se torna chave fundamental para a progredir na vida. Afinal, sem a ajuda da fada, Cinderela continuaria a ser pobre. Na ausência dos pais, a fada-madrinha representa uma entidade que protege e ajuda Cinderela, e em outras versões aparecerá representada de diferentes formas.

No cinema, a versão mais conhecida é a animação clássica da Disney, de 1950.

Versões do cinema:

Cinderela:
Titulo original: (Cinderella)
Lançamento: 1950 (EUA)
Direção: Clyde Geronimi , Wilfred Jackson , Hamilton Luske
Atores: Ilene Woods , Simone de Morais , Eleanor Audley , Tina Vita , Verna Felton
Duração: 74 min
Gênero: Animação

Cinderela (Ilene Woods) vive com sua madrasta, Lady Tremaine (Eleanor Audley), e as duas filhas dela. Obrigada a trabalhar como empregada da casa, ela tem como amigos apenas os animais que a rodeiam. O local em que vive está agitado devido ao baile que será realizado no castelo, o qual contará com a presença do príncipe (William Phipps). Como Lady Tremaine pretende que uma das filhas se case com ele, elas se preparam com requinte para o evento. Cinderela, entretanto, não pode ir. Até que surge a Fada-madrinha (Verna Felton), que dá a Cinderela um vestido e condições para que possa ir ao baile em alto estilo. Entretanto há uma condição: Cinderela precisa retornar antes da meia-noite, caso contrário o feitiço será desfeito.

Para Sempre Cinderela:
Titulo original: (Ever After)
Lançamento: 1998 (EUA)
Direção: Andy Tennant
Atores: Drew Barrymore , Anjelica Huston , Dougray Scott , Patrick Godfrey , Megan Dodds
Duração: 120 min
Gênero: Romance

Nesta versão a rainha da França chama os irmãos Grimm no palácio para dizer que aprecia muito a obra deles, mas que a história da Gata Borralheira não foi contada corretamente. Desta forma começa a narrar que sua tataravó Danielle ficou feliz quando o pai se casou novamente. Quando o pai falece, a madrasta e uma das irmãs revelam sua maldade, Cinderela conhece o príncipe, príncipe Henry, antes do baile. Não há fada-madrinha, mas a ajuda de Leonardo Da Vinci.

A Nova Cinderela:
Titulo original: (A Cinderella Story)
Lançamento: 2004 (EUA)
Direção: Mark Rosman
Atores: Hilary Duff , Jennifer Coolidge , Chad Michael Murray , Dan Byrd , Regina King
Duração: 96 min
Gênero: Comédia Romântica

Sam Montgomery (Hilary Duff) é uma jovem estudante do ensino médio, que vive com sua madrasta Fiona (Jennifer Coolidge) e as filhas dela, que a tratam da pior maneira possível. Sam leva uma vida sem grandes agitações e tem planos de cursar a Universidade de Princeton. Sua vida muda quando ela conhece, através da Internet, seu príncipe encantado. Porém logo Sam descobre que ele é na verdade Austin Ames (Chad Michael Murphy), um garoto popular que é também jogador de futebol americano do time de sua escola. Temendo ser rejeitada por Austin, ela passa a tentar despistá-lo de todas as formas, tentando manter em segredo a identidade da garota com quem ele conversou através da Internet.

Deu a Louca na Cinderela:
Título original: (Happily N'Ever After)
Lançamento: 2007 (Alemanha) (EUA)
Direção: Paul Bolger , Yvette Kaplan
Atores: Andy Dick , Sarah Michelle Gellar , Freddie Prinze Jr. , Lisa Kaplan , Patrick Warburton
Duração: 87 min
Gênero: Animação

Como está tudo programado no mundo dos contos de fada para que haja um final feliz, o Mago (George Carlin), responsável pelo equilíbrio entre as forças do bem e do mal, decide sair em férias. Ele deixa seus assistentes, Mambo (Andy Dick) e Manco (Wallace Shawn), cuidando de tudo. Porém um erro faz com que Frieda (Sigourney Weaver), a madrasta da Cinderela, tenha a posse do cajado mágico. Seu objetivo é tomar o controle do mundo de contos de fada, fazendo com que os vilões vençam e que os finais das histórias jamais sejam felizes novamente. Isto faz com que Cinderela (Sarah Michelle Gellar), mais conhecida como Ella entre os amigos, tenha que encontrar um meio de deter Frieda, contando com a ajuda de Rick (Freddie Prinze Jr.), Manco, Mambo e um exército composto de fadas e anões.

Versões indiretas do conto:

Sabrina:
Titulo original: (Sabrina)
Lançamento: 1954 (EUA)
Direção: Billy Wilder
Atores: Humphrey Bogart , Audrey Hepburn , William Holden , Walter Hampden, John Williams
Duração: 113 min
Gênero: Comédia Romântica

Dois irmãos pertencem à uma poderosa família, sendo um deles (Humphrey Bogart) é um empresário incansável e o outro (William Holden) é um playboy incorrigível. Mas quando a filha do motorista (Audrey Hepburn) retorna de viagem, após passar dois anos em Paris, o playboy se modifica e, como ela sempre foi apaixonada por ele, tudo seria muito fácil de acontecer. Mas se os dois se casarem um poderosa fusão deve ser prejudicada, assim o irmão empresário decide intervir e também acaba se apaixonando por ela.

Cinderela em Paris:
Titulo original: (Funny Face)
Lançamento: 1957 (EUA)
Direção: Stanley Donen
Atores: Audrey Hepburn , Fred Astaire , Kay Thompson , Michel Auclair , Robert Flemyng
Duração: 103 min
Gênero: Comédia Romântica

Um famoso fotógrafo de modas, Dick Avery (Fred Astaire), trabalha para a Quality Magazine, uma conceituada revista feminina. Dick cumpre as determinações da editora da revista, Maggie Prescott (Kay Thompson), que não está satisfeita com os últimos resultados e tenta encontrar um "novo rosto". Dick o acha em Jo Stockton (Audrey Hepburn), uma balconista de uma livraria no Greenwich Village onde um ensaio fotográfico ocorrera recentemente. Após certa resistência, Maggie aceita Jo como a modelo que irá à Paris para fotografar e ser o símbolo da Quality. Jo só concorda pois lá poderá conhecer Emile Flostre (Michel Auclair), um intelectual cujas idéias ela idolatra. Entretanto, ao chegarem em Paris as coisas não correm como o planejado.

Cinderela às Avessas:
Título Original: Maid to Order
Gênero: Comédia, Família
Direção: Amy Holden Jones
Elenco: Merry Clayton (Merry Clayton)Valerie Perrine (Georgette Starkey)Michael Ontkean (Nick McGuire)Dick Shawn (Stan Starkey)Beverly D'Angelo (Stella)Ally Sheedy (Jessie Montgomery)Tom Skerritt (Charles Montgomery)Begonya Plaza (Maria)Rain Phoenix (Brie Starkey)
Lançamento: 1987
Duração: 93 minutos

Menina, órfã de mãe, mora em Beverly Hills e é muito mimada pelo pai, que faz estranho pedido aos céus e muda a história da família.

Uma Linda Mulher:
Titulo original: (Pretty Woman)
Lançamento: 1990 (EUA)
Direção: Garry Marshall
Atores: Richard Gere , Julia Roberts , Ralph Bellamy , Jason Alexander , Laura San Giacomo
Duração: 119 min
Gênero: Romance

Magnata perdido (Richard Gere) pede ajuda uma prostituta (Julia Roberts) que "trabalha" no Hollywood Boulevard e acaba contratando-a por uma semana. Neste período ela se transforma em uma elegante jovem para poder acompanhá-lo em seus compromissos sociais, mas os dois começam a se envolver e a relação patrão/empregado se modifica para um relacionamento entre homem e mulher.

Cinderela Baiana:
Título original: Cinderela Baiana
Gênero: Comédia
Duração: 85min.
Lançamento: 1998
Direção: Conrado Sanchez
Elenco: Carla Perez, Alexandre Pires,Perry Salles, Lázaro Ramos

Carlinha, menina pobre, mora numa favela no sertão da Bahia. Ainda pequena perde a mãe, que morre do coração, e muda-se com o pai para Salvador. Na capital baiana, o pai torna-se advogado e Carlinha dança nas ruas com os meninos do Pelourinho, até ser descoberta pelo empresário inescrupuloso Pierre, que passa a explorá-la. Acaba atingindo a fama e encontrando seu príncipe encantado, um popular cantor de pagode.

Cinderelas, Lobos & Um Príncipe Encantado:
Titulo original: (Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado)
Lançamento: 2009 (Brasil)
Direção: Joel Zito Araújo
Atores: Joel Zito Araújo
Duração: 107 min
Gênero: Documentário

Cerca de 900 mil pessoas atravessam as fronteiras internacionais para atender ao mercado de exploração sexual. Apesar de todos os perigos, várias mulheres entram neste universo por acreditar que possam mudar de vida e encontrar um príncipe encantado.

***Esse texto foi produzido por Natália Chagas para matéria de Literatura Infantil e Juvenil I: Linguagens do Imaginário da Faculdade de Letras da USP. Matéria ministrada pela Profa. Dra. Maria Zilda Cunha.

*** Fontes:
. EDITORA PLANETA DEAGOSTINI. Cinderela. In: Bonecas de conto de porcelana.
. LEONEL, Maria Célia; NASCIMENTO, Edna M. F. S. CINDERELA NA LITERATURA E NO CINEMA. In: IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada. UNESP/Araraquara.
. MESSIAS, Érica Lara; MODA, Luana de Oliveira; GARCIA, Suzana Balbino Garcia. Dois sapatinhos e uma Cinderela: O diálogo entre o conto Cinderela e os filmes Cinderela e A Nova Cinderela. UNI-FACEF, Franca, 2007.

10 de julho de 2010

Meus textos - O narrador e a vida moderna aplicada à escola

      No ensaio intitulado O narrador, Walter Benjamin discute sobre a questão da narrativa e das experiências que são registradas ali, as narrativas são uma forma de registro da memória. Já em 1936, Benjamin previa que o advento da modernidade resultaria numa morte da narrativa, a sociedade baseada numa experiência coletiva estava em declínio, assim, o papel do narrador encontrava o seu fim na sociedade moderna.
      Hoje, 74 anos após, o texto do pensador alemão ainda suscita discussões e tais discussões, podem ser pensadas a partir de uma avaliação da educação nos tempos atuais. Há espaço para a narrativa no mundo contemporâneo, a narrativa ainda sobrevive de alguma forma?
      Benjamin, em seu texto, fala de “Erfahrung”, e esse termo alemão significa a experiência. Erfahrung não uma experiência qualquer, mas uma experiência que é fruto da tradição, formada como uma espécie de longa viagem e que leva tempo para ser sedimentada. Podemos dizer que é a experiência coletiva e se essa experiência sofre rupturas, se há redução nessa formação da tradição, então, a experiência dá lugar à vivência. Essa vivência é dada pelo termo “Erlebnis”, que representa a vivência individual, ou seja, a tradição ou a experiência coletiva sofre um empobrecimento.
      Essa transição da experiência para a vivência é uma transição do caráter coletivo para a personalidade. Em suma, a experiência que era pública tornou-se uma experiência que é particular. A modernidade deu espaço para a sociedade de produção de massa, as narrativas vão sendo tediosamente reproduzidas e assim, as informações não são mais pensadas.
      As informações não pensadas são um problema no âmbito escolar, ao que parece a escola não achou espaço significativo no mundo moderno. Os alunos parecem não entender o real papel da escola, não conseguem atentar para o conhecimento dos seus professores, e ao mesmo tempo, a escola parece estar alheia a essa ruptura que ocorreu. A narrativa, tal qual como concebida por Benjamin, isto é, como uma arte ou dom de se contar histórias perdeu o seu sentido hoje.
      As experiências passadas não são retidas pelos alunos de hoje, pois a educação também foi massificada. Antigamente, a escola era vista como formadora de seres pensantes, formava “homens”, formava cidadãos que conheciam e respeitavam as experiências dos mais velhos. Os alunos aprendiam com a História e com as histórias, eles a compreendiam, retiam e as narravam para os mais novos. Hoje a educação, ou melhor, o sistema educacional não se preocupa em formar pensadores, o sistema está preocupado com números. O conhecimento não é mais transmitido, mas sim, superficialmente repassado. O sistema apostilado é um claro exemplo disso, pois as informações são multifacetadas, “picadas” e não há aprofundamento algum no conteúdo das disciplinas. As informações passadas por esse sistema de ensino não permitem que os alunos façam correlações, e assim eles não podem pensar sobre o que esta sendo ensinado.
      A massificação da educação prejudicada a escola à medida que tira dos professores o papel e o poder da narrativa e tira dos alunos a capacidade de serem ouvintes dessas narrativas. Desta forma, a escola perde o seu sentido tanto para quem ensina quanto para quem é ensinado. E o local que deveria ser uma sede de transmissão do conhecimento dá lugar ao vazio, ao declínio do aprendizado. Esse declínio resulta em professores desestimulados, desiludidos com a atividade docente e em alunos desinteressados, indisciplinados e sem perspectivas de futuro.
      No entanto, todo o declínio ou todo fim dá lugar e espaço para o surgimento de uma nova era. A narrativa, tal como Benjamin a conheceu certamente morreu. No entanto, não devemos pensar a modernidade como um mal e sim como um espaço em que novas narrativas devem surgir. A sociedade contemporânea deve buscar uma nova forma de narrar, o narrador moderno talvez não esteja baseado no registro da memória, mas no registro de outros acontecimentos que nos cercam. A arte de narrar histórias, narrar experiências é uma arte que pode ser continuada, desde que encontremos uma formar de reinventá-la, devemos reciclar a narrativa.


BENJAMIN, W. O Narrador. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.