30 de outubro de 2010

Vetar Monteiro Lobato? Não!



    Em parecer do Conselho Nacional de Educação divulgado nesta semana, chegou-nos a informação de que o livro "Caçadas de Pedrinho" escrito em 1933 por Monteiro Lobato pode ser vetado nas escolas públicas. Depois de tantos anos querem censurar os escritos de Lobato! A alegação para o veto é de que a obra contém termos racistas... Será que se Lobato estivesse vivo iriam tentar prendê-lo por racismo?!
     Cresci lendo Monteiro Lobato, graças a Deus, a minha infância foi recheada pela leitura dos personagens que compunham o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Não me tornei racista e nem desenvolvi preconceitos. A obra infantil de Monteiro Lobato contribuiu para o desenvolvimento de minha imaginação, despertou curiosidades e sede de conhecimento. Foi à partir das histórias contadas através de Dona Benta e comentários do Visconde de Sabugosa que ganhei gosto pela Literatura e História (esse gosto também foi impulsionado por minha mãe e meu pai que sempre me encheram de cultura). Os "causos" contados por Tio Barnabé e as crendices de Tia Nastácia me deram gosto pela Cultura Popular. Os escritos de Lobato me impulsionaram à ler os contos de fada, Robson Crusoé, os livros de Julio Verne e muito mais. Lobato me fez gostar tanto de Folclore quanto de Mitologia greco-romana: sabia sobre Saci, Cuca, Iara, Curupira, Mula Sem-Cabeça e também sabia sobre Belerofonte, Pégaso, Quimera, Teseu, Ariadne e Minotauro. Além do conhecimento passado por meus pais, fui boa aluna, porque li Lobato, e muito.
    Esse veto é uma difamação da obra de Monteiro Lobato (se querem vetar "Caçadas de Pedrinho", também teriam que vetar outros títulos do autor) e desconsidera o tempo em que a obra foi escrita. Os termos usados por Lobato eram comuns, populares e não eram estigmatizados como termos preconceituosos. Quando ao descrever Tia Nástacia usava o termo "preta" não era com o propósito de discriminar a sua cor. Dúvido que alguma criança que tenha lido a sua obra e se deparado com esses termos tenha pensado "puxa, que texto racista", pois a obra deste autor está muito acima de terminologias. A capacidade imaginativa, a fantasia é que nos chamam a atenção. É a relação de carinho, verdade e magia que existe entre Dona Benta, Narizinho, Pedrinho, Emília, Tia Nastácia e Visconde de Sabugosa que é absorvida pelos leitores. Lobato é o maior escritor de nossa Literatura Infantil, pois como poucos soube usar a Literatura para entreter e ensinar, com Lobato se aprende ao mesmo tempo em que é permitido sonhar, imaginar. Naquele tempo o politicamente correto não ditava a Literatura Infantil e Juvenil.
    O Conselho de Educação deve se preocupar com questões de racismo e combater todos os tipos de preconceito, sim! Mas com certeza não é vetando uma obra de Monteiro Lobato que o farão... Aliás, Lobato faz muita falta na formação das crianças de hoje, acho que nas escolas públicas e particulares deveria haver mais Lobato e menos enrolação!

18 de outubro de 2010

Poesia da negritude moçambicana: antecedentes e desdobramentos






   A poesia moçambicana é caracterizada pela busca da construção de uma identidade nacional, não há uma identidade moçambicana preexistente, mas sim construída. Os poetas moçambicanos têm a plena consciência dessa construção que é formada pelos processos históricos, assim, a construção da identidade da negritude moçambicana é dada pelas experiências políticas e culturais pelas quais Moçambique passou.

   Antes de qualquer coisa, devemos refletir sobre o termo “negritude”. Esse termo começou a surgir no final da década de 30, na poesia de Aimé Césaire. Desencadeando um movimento de literário cultural de poetas negros que vivam na França. Em suma, um movimento que buscava resgatar a herança cultural africana, baseado no conceito de pureza étnica. Esse termo por ser polissêmico, acabou gerando diversas interpretações e críticas. Havia apoiadores e os opositores, que alegavam que esse movimento da negritude ao buscar a criação de uma identidade (sobretudo poética) sobre o que é “ser negro, ser africano”, estava ao final criando uma espécie de segregação, julgavam o termo preconceituoso. No entanto, esse movimento iniciado por negros que viviam na França, desencadeou movimentos da negritude em outros países.

   O surgimento do movimento em países de colonização portuguesa coincidiu com o ápice do regime salazarista acarretando em um silenciamento do movimento. Após os movimentos de libertação das nações africanas, a expressão “negritude” ganhou um novo fôlego, novos debates e significações e misturou-se a termos como: africanidade, angolonidade, moçambicanidade, etc. Enfim, nada além do que uma grande busca por encontrar uma forma de expressar a sua própria cultura.

   É nesse cenário, pós-independência que a poesia moçambicana começa a se revelar de forma mais expressiva. A independência de Moçambique e de outras colônias portuguesas em África fez com que surgisse uma necessidade de se criar identidades africanas, essas identidades deveriam mostrar um olhar propriamente africano perante o mundo. E em cada colônia a construção de uma identidade nacional se deu de uma forma diferente.

   Podemos dizer que, em Moçambique, os poetas que iniciaram a chamada segunda fase da literatura moçambicana, começaram a se revelar a partir de 1945. Noémia de Sousa é considerada uma das pioneiras da moderna poesia moçambicana, pelo sentido e nascimento de sua poesia, foi uma das primeiras poetas a protestar contra o sistema colonial. Denunciou as mazelas, as tragédias as quais os negros eram expostos e clamou por liberdade. Noémia evocava a “Mãe-África”, valorizando a cultura africana. Outra figura importante na poesia de Moçambique é o poeta José Craverinha, que possui um lugar central na literatura moçambicana. Se Noémia foi pioneira, Craverinha foi o poeta que realmente começou a dar formas para aquilo que se chamaria de identidade nacional moçambicana, foi o principal formador do discurso moçambicano.

   A poesia de Noémia de Sousa trata muito mais a questão negra/africana geral do que a questão moçambicana. Craverinha parte desse mesmo sentido, no entanto, é a sua poesia que vai se desenvolvendo para questões propriamente de Moçambique. Em sua poesia, José Craverinha, trata de questões sociais: relação empregador/empregado, subalternidade; imagem do colonizador e colonizado. Vale lembrar que o poeta é de origem portuguesa, mas cresceu em Moçambique e quando o país de tornou independente de Portugal ele optou pela cidadania moçambicana. Por isso, a questão da descaracterização portuguesa é outro grande tema de sua poética, em um dos seus poemas, dedicado ao seu pai essa imagem fica muito clara. “Ao meu pai...” se inicia com a figura do homem forte que era seu pai, um português puro, mas à medida que o pai adoece há uma descaracterização da típica figura do português, assim seu pai se “moçambiquiza” ao morrer. Desta forma, o que não se origina como moçambicano, pela memória vai se moçambicano. É uma memória criada, e essa memória inventada também é uma característica da poesia da negritude moçambicana.

   Obviamente, há outros importantes poetas na poesia de Moçambique, mas foram citados apenas dois exemplos para poder ambientar as características centrais dessa poesia. Há forte ligação política no processo de formação da poesia moçambicana que buscava criar sua identidade. As marcas deixadas pelo período em que Moçambique foi colônia portuguesa e a necessidade de se libertar desse período representa uma forte influência na poesia desse país. A poesia moçambicana ganha força na medida em que cresce uma necessidade de expressão, de expressar tudo o que havia sido silenciado pelos anos de opressão. A idéia sobre o que quer dizer “ser moçambicano” é pungente em todos os poetas, sejam eles ligados ou não às novas diretrizes políticas de Moçambique. Parece que a poética moçambicana é recheada de perguntas sobre sua história, formação e passado. Essas dúvidas são dissolvidas com respostas criadas, preenchidas com realidade e fantasia. Há caracterizado na poesia de Moçambique uma atitude “calibanesca”, atitude de apropriação do outro, uma apropriação das técnicas ocidentais para se encontrar uma forma de expressão particular. Talvez, a mais significativa característica da poesia da negritude moçambicana seja a eterna busca. Busca pela criação de sua identidade de “ser moçambicano”, e para eles não importa que essa identidade seja criada, imaginada ou inventada, desde que seja a identidade de Moçambique, desde que seja a sua expressão. Ser negro, ser africano, pelos parâmetros de ser moçambicano é uma incessante construção. A negritude moçambicana em sua poesia mostra que a identidade de um povo sempre estará em processo de formação, apropriada ou inventada, a formação de identidade nunca deixa de ser construída.




Bibliografia:

. LABAN, Michel. Moçambique, encontro com escritores. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida, 1998. V.1 (Entrevista com Noémia de Sousa).
. MACEDO, Tânia; MÂQUEA, Vera. Moçambique. In Literaturas de Língua Portuguesa: Marcos e Marcas. São Paulo: Arte & Ciência, 2008.
. SILVA, Manoel de Souza e. Do Alheio ao Próprio: A poesia em Moçambique. São Paulo: EDUSP, 2008.

15 de outubro de 2010

A ausência do pai simbólico em Ao Mestre com Carinho



   A questão da paternidade, ou melhor, da representação da figura paterna é muito forte em toda a obra freudiana. Freud discorre sobre as diferentes personagens paternas: o pai real, o pai idealizado e o pai morto, além disso, toda essa questão da representação do pai, segundo Freud, chega até a origem de nosso inconsciente sob a forma de processos psíquicos. Gita Wladimirski Goldenberg faz uso dessas teorias freudianas para discorrer sobre a ausência do pai simbólico em crianças e adolescentes. Goldenberg afirma que as infrações cometidas pelos adolescentes podem provir da ausência da lei paterna dentro de um lar. A partir desse gancho podemos fazer uma análise do filme Ao Mestre com Carinho.

   O filme Ao mestre com carinho, dirigido por James Clavell aborda como tema principal o papel da educação na formação do homem. O cenário para essa discussão é uma escola pública do subúrbio operário londrino na década de 60. O filme nos mostra o relacionamento de um professor negro e seus alunos, além de também falar sobre preconceito, violência, solidariedade, amadurecimento, etc. Sidney Poitier encarna o professor Mark Tackeray, um engenheiro desempregado que acaba por aceitar uma proposta de emprego como professor mesmo nunca tendo lecionado. Sua primeira experiência como professor é em uma classe de adolescentes rebeldes que estão para se formar e dar os primeiros passos na vida fora do âmbito escolar, sendo assim, seu desafio é fazer com que esses jovens tão rebeldes se interessem pela educação. Talvez, seja esse, o primeiro filme a retratar os desafios de um professor com uma típica classe de alunos desinteressados. Como toda “classe problema” há nesta turma do professor os adolescentes que simbolizam e lideram toda essa revolta, esses jovens são os personagens: Denham, Pamela Dare e Barbara Pegg. Denham é o típico aluno desafiador, tem a necessidade de se mostrar mais “homem” que o seu professor e sempre procura provocá-lo ou insultá-lo; Pamela é a garota popular e bonita, uma personificação da “lolita”. É a jovem que procurar ter uma atitude sensual, mas ao mesmo tempo deixa escapar uma certa fragilidade diante do mundo; Barbara Pegg é a garota que mesmo não sendo tão bonita, segue os modelos de ação de Pamela. Tanto nesses três adolescentes como em todo o restante da classe, percebe-se que há problemas com a figura paterna.

   Na realidade, para os adolescentes desse filme a escola era uma espécie de fuga dos problemas enfrentados em casa, desobedecer a figura do professor era uma forma de mostrar a sua revolta e de certa forma atingir a figura do adulto. A escola não aplicava nenhum tipo de castigo aos alunos o que propiciava essa atitude revoltada que tomavam, além disso, alguns professores não ligavam ou não sabiam lidar com os problemas dos alunos, um dos professores diz a Tackeray que “a educação nos dias de hoje é uma desvantagem”. O personagem de Sidney Poitier será o primeiro a perceber que esses jovens precisam de alguém que converse de igual para igual com eles, que lhes dê uma voz, mas que ao mesmo tempo imponha regras para que isso aconteça. E, ao notarem que o professor os trata de modo diferente, esses jovens irão passar a respeitar a sua figura. Um dos claros exemplos dessa mudança da forma de se enxergar o professor é a personagem Pamela Dare.

   Pamela Dare é filha de pais divorciados, seu pai foi embora de casa e ela vive com a mãe. A mãe não consegue exercer a função de representar uma figura de autoridade de respeito, pois ao passar a trazer outros homens para dentro de sua casa faz com que sua filha passe a lhe desrespeitar. Para não ter que ver a mãe namorando um outro, ela passa horas fora de casa sem dar a mínima satisfação à sua mãe. Vemos aí a passagem em que Goldenberg fala da ausência do terceiro na vida da criança/adolescente, a falta da participação ativa do pai acaba por refletir também a insuficiência da função materna. E é aí que o professor Mark Tackeray entra na vida de Pamela, de certa forma é ele quem irá exercer a função de impor as leis paternas. É ele o primeiro homem a tratá-la com respeito e a indicar-lhe como uma “moça decente” deve se portar. A própria mãe da jovem reconhece isso, e recorre ao professor para saber como lidar com sua filha e fazer com que ela haja de modo mais responsável e lhe diga por onde anda. O professor dá para Pamela e seus colegas uma oportunidade de agirem com adultos, ele impõe e mostra as leis de boa educação e comportamento, fala com eles sobre casamento, sexo, emprego, preconceito. Todos esses temas que ele debate com seus alunos nunca haviam sido tratados pelos seus pais, assim, o professor passar a ser a figura do terceiro na formação desses adolescentes. Ao perceber essa postura diferente do professor, Pamela passa a ter um outro comportamento e no lugar da jovem rebelde entra uma jovem preocupada com seu futuro e que demonstra a sua inteligência e coragem. No entanto, o professor desperta mais do que bom comportamento na adolescente, ela também desenvolve uma paixão por ele, assim, a admiração de Pamela pelo seu mestre atinge a estância do pathós. Desta forma, se o professor é para a jovem uma substituição da figura paterna, uma personificação do pai simbólico, é também a figura para qual ela repassa o amor do chamado complexo edipiano. Com a sua sensualidade dissimulada, ela tenta seduzir o professor e transmitir-lhe todo o seu afeto, assim o professor, além de ser uma figura de representação da lei paterna, tem que aprender a lidar com essa situação embaraçosa, mantendo o respeito e a distância necessária num relacionamento entre professor e aluno.

   A mudança de comportamento é vista em todos da classe, a rebeldia domada pela superação da ausência da simbologia paterna dá lugar ao amadurecimento dos adolescentes. Mark Tackeray é a representação do professor que supre a ausência do pai. Outra passagem interessante do filme é quando no inicio da história um dos alunos, Seals (que andava cabisbaixo), é visto pelo professor. O mestre pergunta a ele o motivo de sua tristeza, ao que o mesmo responde que a mãe está doente e culpa o pai pela fase que está passando, Seals demonstra claramente sua fúria em relação à figura do pai. No final do filme a mãe do adolescente morre, e é para os braços do professor que ele corre para poder chorar e desafogar a sua dor. Fica claro, que o professor além de substituir a figura do pai no que diz respeito à imposição de regras aos adolescentes, também supre a ausência do pai no que diz respeito às demonstrações de carinho dos jovens.

   Os adolescentes do filme passaram por um processo de amadurecimento, da repulsa à figura do professor passaram ao agradecimento e respeito. No final do filme, o professor vê a sua missão com essa classe cumprida e tem a oportunidade de voltar a trabalhar como engenheiro, mas após uma cena de comoção ao ser homenageado por sua turma se depara com dois jovens, tão rebeldes quanto a sua classe de inicio. Ele então toma a decisão de continuar lecionando, pois vê que outros jovens que precisam suprir a ausência do pai simbólico para amadurecerem e não caírem na delinqüência. No filme, vemos a ausência do pai simbólico se dissipar na figura do professor, a figura do pai está presente no mestre, com carinho.

 
 
TEXTO BASE:
GOLDENBERG, Gita Wladimirski. Levisky,D.L.(org). O pai simbólico está ausente na criança e no adolescente infratores. In: Adolescência pelos caminhos da violência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

4 de outubro de 2010

O silêncio e o vazio

   O coração acordou apertado e na mente muitas dúvidas. Qual o caminho a tomar? Como compreender as coisas que aconteciam à sua volta? Difícil, tão difícil entender aquele meio e ainda mais, conviver com ele.

   Tanto julgamento infundado, tanto alarmismo, tanto conservadorismo, tanto conformismo, tanto preconceito, aliás, vários pré-conceitos sem cabimento, sem embasamento, sem profundidade, sem verdade, tão vis, tão mesquinhos! Aquilo tudo lhe sufocava... Tanta gente vazia num imenso espaço que precisava ser preenchido, como preenchê-lo? Encontrar tais respostas era ainda mais difícil! Como as pessoas podiam ser assim tão baixas e tão pequenas? Queria rebelar-se, apontar, confrontar esse universo de insanos, mas não podia, não valeria a pena, pois ia ser um grito no vácuo! E a insanidade pareceria lhe pertencer e não aos outros... O que fazer e o que falar? Queria debater, mas não queria brigar! No entanto, há debate com a forma sem conteúdo, com o discurso vazio, com a ignorância que se acha inteligente, com seres falsamente preocupados e que tentam disfarçar seu individualismo, mas não conseguem, são egoístas, não pensam no todo e nunca pensarão?!

   Como isso lhe causava uma sensação de dor e de morte! As palavras em resposta a essa gente seriam jogadas ao vento, o silêncio seria a melhor resposta. Ia tomando amargamente o silêncio... O silêncio silenciava a sua própria alma, evitava as brigas que não queria travar, mas a tornava muito mais vazia do que as pessoas vazias que criticava. E o aperto se apertava...

 
 
Por Natália Chagas