13 de maio de 2010

Minhas análises

Hoje, 122 anos da abolição da escravidão no Brasil, achei propício publicar a letra do samba-enredo da Vila Isabel de 1988 (centenário da Lei Áurea). Esse enredo deu o título para a Vila! E depois, segue uma breve análise sobre a letra, feita para meu projeto de Iniciação Científica em Estudos Comparados das Literaturas em Língua Portuguesa, sob orientação do Prof. Dr. Émerson Inácio da Cruz:


Kizomba, a festa da raça

Autores: Rodolpho, Jonas, Luiz Carlos da Vila

Valeu Zumbi!

O grito forte dos Palmares

Que correu terras, céus e mares

Influenciando a abolição

Zumbi valeu!

Hoje a Vila é Kizomba

É batuque, canto e dança

Jongo e maracatu

Vem menininha pra dançar o caxambu (bis)

Ôô, ôô, Nega Mina

Anastácia não se deixou escravizar (bis)

Ôô, ôô Clementina

O pagode é o partido popular

O sacerdote ergue a taça

Convocando toda a massa

Neste evento que congraça

Gente de todas as raças

Numa mesma emoção

Esta Kizomba é nossa Constituição (bis)

Que magia

Reza, ajeum e orixás

Tem a força da cultura

Tem a arte e a bravura

E um bom jogo de cintura

Faz valer seus ideais

E a beleza pura dos seus rituais

Vem a Lua de Luanda

Para iluminar a rua (bis)

Nossa sede é nossa sede

De que o "apartheid" se destrua

Valeu!


Análise: Kizomba, a Festa da raça*


A letra deste samba-enredo da Vila Isabel nos traz a representação de um negro que resistiu à escravidão; mais do que isso, um negro que não deixou de lutar contra o preconceito racial, que não perdeu a esperança por liberdade e igualdade. Essa representação se dá através de uma formação discursiva que nos traz enunciados que remetem a heróis e personagens marcantes da cultura negra do Brasil, como Zumbi dos Palmares, a escrava Anastácia e a sambista Clementina de Jesus. Há também a representação de elementos que compõe a cultura religiosa e festiva do negro: a kizomba, jongo, maracatu, caxambu, pagode, ajeum e orixás.

Há outras razões discursivas que devem ser levadas em conta no enredo da Vila Isabel. Em primeiro lugar, as razões históricas, pois em 1988 se comemorava os 100 anos da abolição da escravatura do país e marcava também a implementação da nova Constituição brasileira. A compreensão desses dados é uma chave para a análise deste samba-enredo. Kizomba funcionará como um signo linguístico que nos remete a uma festa de resistência cultural de um povo e que irá articular dois sujeitos: o histórico e o ideológico (negro como escravo, como subcidadão depois de liberto; o imaginário coletivo do negro e sobre o negro). Histórico porque faz referência a um estilo musical, a uma dança e festa que passaram a ser assim designadas na década de 80, em Angola, por grupos pertencentes às Forças Armadas pela Libertação de Angola. Vale lembrar que durante a formação do MPLA na década de 70 , um grupo de artistas brasileiros (entre eles Martinho da Vila e Chico Buarque) viajou à Angola e isso pode ter influência sobre o imaginário de "Kizomba". E ideológico porque engloba toda a congregação de povos que resistiram à opressão, a toda festa de um povo que resistiu bravamente à escravidão. A Kizomba de Vila Isabel configura-se no espetáculo do Carnaval carioca. O Carnaval é uma festa popular que atinge todo o povo, assim, a kizomba que a Vila diz ser "nossa Constituição" pressupõe a confraternização de todas as culturas, um símbolo pelo direito a igualdade de todas as raças.

Outra marca entre História e ideologia está na referência ao Apartheid. No trecho que diz "Nossa sede é nossa sede/De que o "apartheid" se destrua", a formação discursiva não nos remete apenas ao regime imposto na África do Sul desde 1948, que separava negros e brancos e que desqualificava o negro como cidadão, mas também nos remete à um apartheid simbólico que ainda separa o negro do branco. A construção desse discurso nos mostra que mesmo celebrando os 100 anos do fim da escravidão, mesmo que haja uma festa que congrace todas as raças, há ainda uma diferença de direitos, há ainda um preconceito implícito em todas as sociedades e que ainda precisa ser vencido.

"Kizomba, a Festa da raça" não é um samba ressentido, nem de protesto, mas um samba que apesar de celebrar tem uma pontuação crítica. Pode-se supor que o processo discursivo não tem um fim, está no domínio da antecipação. Na análise do discurso, o domínio da antecipação é o que dá abertura às relações discursivas, relacionando o domínio da memória com o da atualidade. Isso porque há interação entre o negro do passado com o negro para quem se canta, porque há uma ponte entre o negro herói, valente, mártir com o negro que, mesmo liberto, ainda tem que lutar por seus direitos, um negro que mesmo festejando ainda tem que destruir as separações raciais e sociais. Há a interação do negro narrado pelo discurso da História como o negro da realidade atual que ainda tem que construir uma nova História do seu povo. A kizomba da Vila Isabel construiu seu discurso na celebração de um negro que lutou e sofreu sozinho pela liberdade com a celebração de uma festa popular que pode alertar para que todas as culturas unam-se em busca do fim das diferenças.

* Por Natália Chagas, Letras/USP, 2009.


Hoje, 13 de Maio, não é uma data celebrada pelos negros... Os 122 anos do fim da escravidão não é mais muito falado, as discussões pertinentes à segregação racial passaram para dia 20 de Novembro. 20 de Novembro marca a data da morte de Zumbi dos Palmares, é o Dia da Consciência Negra.

Realmente, não há muito o que se comemorar em 13 de Maio... Mas não deixa de ser uma data para a reflexão... 122 anos do fim da escravidão, será? As diferenças sociais, as separações que o regime da escravidão causou no Brasil continuam gritando nos nossos porões...

122 depois, o Brasil ainda arrasta os seus grilhões... O mundo também arrasta, e continuará arrastando até perceber que a raça é uma só: Humana.


Natália Chagas F. S. Máximo

(descendente de alemães, portugueses, negros e muitas outras etnias, porque como dizia Cazuza "o meu sangue é negro, branco, amarelo e vermelho")




11 de maio de 2010

Minhas descobertas

Cursando disciplinas optativas no curso de Letras na USP encontrei uma nova paixão. As disciplinas a que me refiro são: Literatura Infantil e Juvenil: Linguagens do imaginário I e a III, ambas ministradas pela Profa. Dra. Maria Zilda Cunha. A disciplina I aborda as origens e formação do conceito de literatura infantil passando por fábulas, lendas e contos de fadas, já a disciplina III entra no campo da poesia brasileira.
Antes de iniciar o curso ouvi algumas críticas: diziam que havia muito seminário... Mesmo tendo pavor de apresentar seminários, resolvi cursá-la! Não me arrependi.
Simplesmente me apaixonei pelo curso! E quanto mais pesquiso, e quanto mais estudo... Sinto crescer em mim uma vontade enorme de me especializar nessa área. Será a decisão certa a tomar? Não sei, mas sei que quando após muita procura encontramos algo que nos desperte a vontade de mais e mais conhecimento, devemos investir. E é isso que pretendo fazer!
Essa paixão cresceu ainda mais durante as pesquisas para o seminário sobre contos de fadas e trechos significativos de filmes. Fiquei responsável pela Gata Borralheira, e um encantamento de infância ressurgiu como um toque de mágica feito pela varinha de condão. O resultado desses estudos, pretendo publicar aqui mais tarde... Por enquanto:
Era uma vez uma garota que uma vez num sonho descobriu que poderia trabalhar com a literatura destinada ao público infantil...





... Como vai terminar essa história?

10 de maio de 2010

Meus Carnavais

Fevereiro: O mês do carnaval é o mês das fantasias! É quanto as fantasias tomam conta das avenidas, ruas e até da mente das pessoas.

O que mais me interessa nesta data é a grande evidência das escolas de samba: com seus desfiles e sambas-enredo fazendo com que a magia do samba cadencie nosso imaginário.

Há pessoas que não gostam do carnaval, há pessoas que não ligam para os sambas cantados por comunidades inteiras que compõe as escolas de samba. Azar o delas! Eu, graças a Deus, nasci ouvindo samba. Desde que me lembro escuto e vejo os desfiles do carnaval carioca. Tudo bem… A cidadezinha do interior de São Paulo em que fui criada também tem escolas de samba, São Paulo também tem o seu carnaval e suas escolas, mas as escolas do Rio são um espetáculo à parte!

Sempre me considerei uma “nacionalista de São Paulo” e acho que os desfiles das escolas de São Paulo têm melhorado e crescido, está mais técnico e luxuoso… Mas ainda falta paixão, falta ainda um pouco de magia. Por isso, quando o assunto é carnaval, desfile, escolas de samba e samba-enredo, eu tiro o chapéu e reverencio o Rio de Janeiro. A cada ano eles se superam: o espetáculo cresce! Sei que a cada ano o negócio da indústria cultural toma conta dos desfiles, mas nem por isso a magia se perde. Acho que é a coisa da tradição, é coisa de raiz!

Como Portela, Mangueira, Império, Salgueiro, Vila Isabel, Mocidade, Beija-Flor, Tijuca, Estácio e tantas outras não há. Os sambas dessas escolas ficam na memória, ficam na história do carnaval, a grande maioria das pessoas sabe cantar ao menos um refrão de uma música que essas escolas tenham desfilado. Alguns sambas tornam-se hinos, são eternizados!

Quando a Mocidade Independente de Padre Miguel entra na avenida, desde criança eu fico enfeitiçada e torço para que ela ganhe. Mas ao mesmo tempo quando vejo a avenida tingida dos verdes e rosas mangueirenses, dos azuis e brancos portelenses ou das cores da Vila sinto uma emoção que não dá para descrever, e assim torço por elas também. Torço por elas, sobretudo, quando vejo as suas velhas-guardas. As Velhas Guardas das escolas deveriam ficar num pedestal cultuado com respeito e admiração! Nunca estive em Portela, nunca estive em Mangueira ou mesmo no Rio, mas sempre que vejo um desfile, sempre que escuto um samba, sempre que vejo um documentário sobre eles sinto que também faço parte de tudo aquilo.

Admiro muito as escolas de samba, pois aqueles minutos que tomam a avenida em apenas um dia do ano é resultado do trabalho de um ano inteiro. É o trabalho de uma comunidade inteira, de gente que dedica a vida ao samba, é um trabalho de amor à tradição que representam. E dessa forma, unindo suas comunidades é que o carnaval encontra além do entretenimento e do espetáculo: a sua função social, política, educativa, cultural… Esses valores não se perdem, eles vão se reciclando. Em minha opinião tudo isso faz do samba e do carnaval a mais bela expressão da cultura popular brasileira. Quando vejo os preparativos para os desfiles de carnaval e toda a união que isso envolve que lembro ainda mais da frase que diz: “O bom samba é uma forma de oração!”

MINHAS DESPEDIDAS



Quando Fevereiro chegou ao fim! Os desfiles de carnaval acabaram e nós conhecemos os vencedores carnavalescos. Parabéns à Rosas de Ouro em São Paulo e parabéns à Unidos da Tijuca no Rio de Janeiro.

Mas alegrias à parte, o mês se fechou com duas grandes perdas, uma para o mundo do samba e outra para o mundo das Letras: Walter Alfaite e José Mindlin. São duas personalidades que merecem ser homenageadas.

Aos 79 anos, o sambista Walter Alfaite deixou este mundo e foi deixar o céu mais elegante. Walter Nunes de Abreu desde de criança quis ser sambista, mas ao 13 anos de idade se iniciou na alfaiataria e foi essa a profissão que exerceu durantes muitos anos. Mas o samba fazia parte de seu destino! Foi na década de 60 que começou a costurar seu nome no samba em rodas de samba no Teatro Opinião e em grupos como Os Autênticos e Reais do Samba! Mauro Duarte foi o seu grande parceiro desde esses anos! Antes de ganhar a alcunha de Alfaiate, foi o Walter Sacode por cantar o samba “Sacode Carola”. Walter Alfaite ganhou reconhecimento ao ser gravado por nomes como Paulinho da Viola! Cultuado pelos grandes sambistas do Rio de Janeiro, membro da Velha Guarda da Portela, com mais de 200 sambas compostos, Walter Alfaiate nunca foi reconhecido pelas grandes gravadoras… Mas o Brasil agradece pelo primor de suas letras, pela elegância de seus sambas!

Uma vida toda dedicada a colecionar livros! Eis José Ephim Mindlin que aos 95 anos de idade foi deixar o céu mais culto. Mindlin foi advogado (formado no Largo São Francisco), empresário e bibliófilo. Colecionando livros desde os 13 anos de idade, Mindlin acumulou mais de 38 mil obras, algumas rarissímas e acreditando que os livros são um bem público doou em 2006 toda sua coleção de obras brasileiras à Universidade de São Paulo. Foi em 2006 também que Mindlin passou a ocupar a cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras, tornando-se um imortal. Diga-se de passagem, dos anos 90 para cá é um dos poucos intelectuais que realmente mereceu se tornar um imortal…

Salve Walter Alfaiate! Salve José Mindlin! O mundo com certeza se tornou melhor com a passagem que tiveram por aqui, o céu recebe duas grandes almas da cultura brasileira!

9 de maio de 2010

Primeiro Enredo

“A Literatura como toda a arte é uma confissão de que a vida não basta” Fernando Pessoa

Essa frase de Pessoa sempre mexeu comigo, sempre me despertou algo que nunca soube explicar. Para mim essa frase sempre disse que através da arte nos tornamos eternos, a arte nos torna imortais. A vida de carne e osso não nos basta, mas com a arte continuamos a viver de outras formas.

Sempre quis ser literata, procurava fazer da frase aqui citada uma missão a ser cumprida e assim, tornar-me imortal através das letras. Escrever é uma forma de viver, as palavras nos deixam menos solitários.

Sempre gostei de escrever, mas nos últimos tempos… todas as linhas que escrevia acabavam indo para o lixo. Acho que quando nos tornamos estudantes de Letras ficamos tão críticos, que nada nos satisfaz. Há uma saga infinita em busca da frase perfeita, que nunca encontramos! Por um tempo achei que tivesse perdido o gosto por escrever minhas ideias, meus pensamentos, meus estudos, minhas poesias…

Por obra do acaso acabei me deparando novamente com a frase ”a Literatura como toda a arte é uma confissão de que a vida não basta”, e de repente a chama reacendeu. Fui tomada por um súbito desejo de escrever minhas coisas novamente, sem medo. E aí, decidi escrever em um blog.

Sei que meus escritos nunca serão geniais quanto os dos escritores que me inspiram, nem tenho a pretensão de ser uma grande escritora, ou que as pessoas me leiam e gostem. Mas aqui pelo menos satisfaço a minha sede de escrever. E se um ou poucos amigos lerem e gostarem, ao menos me entenderem… ah, isso já me basta!