15 de outubro de 2010

A ausência do pai simbólico em Ao Mestre com Carinho



   A questão da paternidade, ou melhor, da representação da figura paterna é muito forte em toda a obra freudiana. Freud discorre sobre as diferentes personagens paternas: o pai real, o pai idealizado e o pai morto, além disso, toda essa questão da representação do pai, segundo Freud, chega até a origem de nosso inconsciente sob a forma de processos psíquicos. Gita Wladimirski Goldenberg faz uso dessas teorias freudianas para discorrer sobre a ausência do pai simbólico em crianças e adolescentes. Goldenberg afirma que as infrações cometidas pelos adolescentes podem provir da ausência da lei paterna dentro de um lar. A partir desse gancho podemos fazer uma análise do filme Ao Mestre com Carinho.

   O filme Ao mestre com carinho, dirigido por James Clavell aborda como tema principal o papel da educação na formação do homem. O cenário para essa discussão é uma escola pública do subúrbio operário londrino na década de 60. O filme nos mostra o relacionamento de um professor negro e seus alunos, além de também falar sobre preconceito, violência, solidariedade, amadurecimento, etc. Sidney Poitier encarna o professor Mark Tackeray, um engenheiro desempregado que acaba por aceitar uma proposta de emprego como professor mesmo nunca tendo lecionado. Sua primeira experiência como professor é em uma classe de adolescentes rebeldes que estão para se formar e dar os primeiros passos na vida fora do âmbito escolar, sendo assim, seu desafio é fazer com que esses jovens tão rebeldes se interessem pela educação. Talvez, seja esse, o primeiro filme a retratar os desafios de um professor com uma típica classe de alunos desinteressados. Como toda “classe problema” há nesta turma do professor os adolescentes que simbolizam e lideram toda essa revolta, esses jovens são os personagens: Denham, Pamela Dare e Barbara Pegg. Denham é o típico aluno desafiador, tem a necessidade de se mostrar mais “homem” que o seu professor e sempre procura provocá-lo ou insultá-lo; Pamela é a garota popular e bonita, uma personificação da “lolita”. É a jovem que procurar ter uma atitude sensual, mas ao mesmo tempo deixa escapar uma certa fragilidade diante do mundo; Barbara Pegg é a garota que mesmo não sendo tão bonita, segue os modelos de ação de Pamela. Tanto nesses três adolescentes como em todo o restante da classe, percebe-se que há problemas com a figura paterna.

   Na realidade, para os adolescentes desse filme a escola era uma espécie de fuga dos problemas enfrentados em casa, desobedecer a figura do professor era uma forma de mostrar a sua revolta e de certa forma atingir a figura do adulto. A escola não aplicava nenhum tipo de castigo aos alunos o que propiciava essa atitude revoltada que tomavam, além disso, alguns professores não ligavam ou não sabiam lidar com os problemas dos alunos, um dos professores diz a Tackeray que “a educação nos dias de hoje é uma desvantagem”. O personagem de Sidney Poitier será o primeiro a perceber que esses jovens precisam de alguém que converse de igual para igual com eles, que lhes dê uma voz, mas que ao mesmo tempo imponha regras para que isso aconteça. E, ao notarem que o professor os trata de modo diferente, esses jovens irão passar a respeitar a sua figura. Um dos claros exemplos dessa mudança da forma de se enxergar o professor é a personagem Pamela Dare.

   Pamela Dare é filha de pais divorciados, seu pai foi embora de casa e ela vive com a mãe. A mãe não consegue exercer a função de representar uma figura de autoridade de respeito, pois ao passar a trazer outros homens para dentro de sua casa faz com que sua filha passe a lhe desrespeitar. Para não ter que ver a mãe namorando um outro, ela passa horas fora de casa sem dar a mínima satisfação à sua mãe. Vemos aí a passagem em que Goldenberg fala da ausência do terceiro na vida da criança/adolescente, a falta da participação ativa do pai acaba por refletir também a insuficiência da função materna. E é aí que o professor Mark Tackeray entra na vida de Pamela, de certa forma é ele quem irá exercer a função de impor as leis paternas. É ele o primeiro homem a tratá-la com respeito e a indicar-lhe como uma “moça decente” deve se portar. A própria mãe da jovem reconhece isso, e recorre ao professor para saber como lidar com sua filha e fazer com que ela haja de modo mais responsável e lhe diga por onde anda. O professor dá para Pamela e seus colegas uma oportunidade de agirem com adultos, ele impõe e mostra as leis de boa educação e comportamento, fala com eles sobre casamento, sexo, emprego, preconceito. Todos esses temas que ele debate com seus alunos nunca haviam sido tratados pelos seus pais, assim, o professor passar a ser a figura do terceiro na formação desses adolescentes. Ao perceber essa postura diferente do professor, Pamela passa a ter um outro comportamento e no lugar da jovem rebelde entra uma jovem preocupada com seu futuro e que demonstra a sua inteligência e coragem. No entanto, o professor desperta mais do que bom comportamento na adolescente, ela também desenvolve uma paixão por ele, assim, a admiração de Pamela pelo seu mestre atinge a estância do pathós. Desta forma, se o professor é para a jovem uma substituição da figura paterna, uma personificação do pai simbólico, é também a figura para qual ela repassa o amor do chamado complexo edipiano. Com a sua sensualidade dissimulada, ela tenta seduzir o professor e transmitir-lhe todo o seu afeto, assim o professor, além de ser uma figura de representação da lei paterna, tem que aprender a lidar com essa situação embaraçosa, mantendo o respeito e a distância necessária num relacionamento entre professor e aluno.

   A mudança de comportamento é vista em todos da classe, a rebeldia domada pela superação da ausência da simbologia paterna dá lugar ao amadurecimento dos adolescentes. Mark Tackeray é a representação do professor que supre a ausência do pai. Outra passagem interessante do filme é quando no inicio da história um dos alunos, Seals (que andava cabisbaixo), é visto pelo professor. O mestre pergunta a ele o motivo de sua tristeza, ao que o mesmo responde que a mãe está doente e culpa o pai pela fase que está passando, Seals demonstra claramente sua fúria em relação à figura do pai. No final do filme a mãe do adolescente morre, e é para os braços do professor que ele corre para poder chorar e desafogar a sua dor. Fica claro, que o professor além de substituir a figura do pai no que diz respeito à imposição de regras aos adolescentes, também supre a ausência do pai no que diz respeito às demonstrações de carinho dos jovens.

   Os adolescentes do filme passaram por um processo de amadurecimento, da repulsa à figura do professor passaram ao agradecimento e respeito. No final do filme, o professor vê a sua missão com essa classe cumprida e tem a oportunidade de voltar a trabalhar como engenheiro, mas após uma cena de comoção ao ser homenageado por sua turma se depara com dois jovens, tão rebeldes quanto a sua classe de inicio. Ele então toma a decisão de continuar lecionando, pois vê que outros jovens que precisam suprir a ausência do pai simbólico para amadurecerem e não caírem na delinqüência. No filme, vemos a ausência do pai simbólico se dissipar na figura do professor, a figura do pai está presente no mestre, com carinho.

 
 
TEXTO BASE:
GOLDENBERG, Gita Wladimirski. Levisky,D.L.(org). O pai simbólico está ausente na criança e no adolescente infratores. In: Adolescência pelos caminhos da violência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

4 de outubro de 2010

O silêncio e o vazio

   O coração acordou apertado e na mente muitas dúvidas. Qual o caminho a tomar? Como compreender as coisas que aconteciam à sua volta? Difícil, tão difícil entender aquele meio e ainda mais, conviver com ele.

   Tanto julgamento infundado, tanto alarmismo, tanto conservadorismo, tanto conformismo, tanto preconceito, aliás, vários pré-conceitos sem cabimento, sem embasamento, sem profundidade, sem verdade, tão vis, tão mesquinhos! Aquilo tudo lhe sufocava... Tanta gente vazia num imenso espaço que precisava ser preenchido, como preenchê-lo? Encontrar tais respostas era ainda mais difícil! Como as pessoas podiam ser assim tão baixas e tão pequenas? Queria rebelar-se, apontar, confrontar esse universo de insanos, mas não podia, não valeria a pena, pois ia ser um grito no vácuo! E a insanidade pareceria lhe pertencer e não aos outros... O que fazer e o que falar? Queria debater, mas não queria brigar! No entanto, há debate com a forma sem conteúdo, com o discurso vazio, com a ignorância que se acha inteligente, com seres falsamente preocupados e que tentam disfarçar seu individualismo, mas não conseguem, são egoístas, não pensam no todo e nunca pensarão?!

   Como isso lhe causava uma sensação de dor e de morte! As palavras em resposta a essa gente seriam jogadas ao vento, o silêncio seria a melhor resposta. Ia tomando amargamente o silêncio... O silêncio silenciava a sua própria alma, evitava as brigas que não queria travar, mas a tornava muito mais vazia do que as pessoas vazias que criticava. E o aperto se apertava...

 
 
Por Natália Chagas

21 de setembro de 2010

Minhas Leituras - "Magneto - Testamento": a origem da vilania


      Outro dia meu namorado me emprestou o HQ Magneto – Testamento publicado pela editora Panini. Adoramos esse tipo de leitura, afinal, heróis, super-heróis e vilões sempre rendem uma boa discussão. E Magneto rende boas reflexões.
      Quem achar que essa leitura mostrará como ele se tornou um mutante e como ganhou os seus poderes ou quando começou a usá-los poderá se decepcionar. A história, entretanto, nos faz compreender a origem de sua vilania e porque a sua mutação está relacionada com metais/magnetismo. Compreendemos porque ele defende uma supremacia dos mutantes.
      O verdadeiro nome Erik Magnus Lehnsherr é Max Eisenhardt, sobrenome judeu alemão. Eisen em alemão é ferro, desde jovem Erik demonstra habilidade no manuseio desse material e outros metais (faz colares, consegue jogar longe uma lança de ferro no colégio, encontra moedas, etc.). O elemento ferro estar em seu sobrenome talvez justifique o motivo pelo qual Magneto tenha controle dos campos eletros-magnéticos e manipula o ferro em todos os seus estados, bem como levita outros seres que tenham o ferro em sua volta. Mas, em minha opinião, não é isso que nos prende à leitura dessa história em quadrinhos.
      Há uma frase nessa história que permeia quase toda a narrativa: “Há um momento na vida em que tudo se alinha”, essa frase mesmo após a leitura continuou ecoando em minha cabeça. Os alinhamentos dos momentos nessa história despertam o vilão. É um ciclo, a intolerância vivida gerará a intolerância sentida.
      O HQ conta a história da ascensão do regime nazista, passando pelos árduos tempos dos campos de concentração até que a Segunda Grande Guerra chegasse ao fim com a Alemanha nazista derrotada. A narrativa dessa história em quadrinhos trata a ditadura nazista de forma bem real e contundente. Max Eisenhardt era um jovem judeu que cresceu em meio à ascensão do regime nazista na Alemanha dos anos 30, viu o seu povo ser humilhado e perseguido pelos alemães. Na escola não podia demonstrar ser mais inteligente ou habilidoso que seus colegas, desafiar essas leis implicou em sua expulsão da escola. Max e sua família fogem para a Polônia em busca de refúgio, mas os alemães acabam invadindo também o solo polonês, assim, acabam no Gueto de Varsóvia, tentam a fuga, mas são traídos e encontrados pelos nazistas, sua família é executada. Max é levado para o mais temido campo de concentração, Auschwitz. E até o fim da Guerra Eisenhardt tenta se manter vivo nos campos de concentração, passando pelas mais diversas situações de horror.
      Após a leitura refleti sobre a seguinte questão: o homem é produto do meio. Magneto cresceu em um ambiente de intolerância e repulsa, onde uma “raça” se dizia superior à outra, em um período em que os judeus não eram tratados como humanos. Adolf Hitler e Magneto seriam criador versus criatura? Hitler acreditava que a raça ariana era superior, que eram mais fortes e que os alemães deveriam dominar o mundo. Erik Lehnsherr quer que o mundo aceite a raça mutante, mais quer que os mutantes dominem o mundo por julgar que os poderes/dons são a prova da superioridade de mutantes sobre humanos. É nesse ponto que entendemos porque Erik tem tanto ódio da humanidade. Longe de colocar o personagem real e histórico no mesmo patamar que o personagem da ficção ou de comparar a barbárie de uma guerra real com a guerra da fantasia, mas podemos notar que o nazismo espalhou tanta maldade que gerou vilões para além da realidade. Pensando dessa forma, Magneto seria o Hitler do universo mutante. Se para o ditador nazista judeus, ciganos, negros e outros povos eram uma subraça, para Lehnsherr essa subraça é formada por todos os humanos. Magneto tem várias personas: é o oprimido, o questionador e o opressor. Tal história não pode justificar, mas pode nos fazer entender a vilania brotada nessa personagem. Há personagens que usam a dor para praticar o bem, há personagens que usam a dor para vingar-se. Magneto é um vilão que quer vingar-se da humanidade, mas nunca me causou medo, pelo contrário, me causa compaixão. Longe de defender o vilão, mas como não compreendê-lo?
      Magneto – Testamento é uma ficção que tem fatos reais como pano de fundo, é impossível ler as passagens sem um nó na garganta e sem percebemos que nem a ficção foi capaz de amenizar tal momento da história mundial.



Ficha:

Marvel Coleçoes - Magneto - Testamento, Vol.04

Autor: PAK, GREG

Ilustrador: GIANDOMENICO, CARMINE DI

Editora: PANINI LIVROS

25 de agosto de 2010

Meu malvado favorito e a literatura infantil

     




      De supervilão à superpai – essa é a trajetória de Gru personagem da animação Meu malvado favorito. Essa animação está conquistando crianças e adultos e tem sido um enorme sucesso de bilheteria nos cinemas. Além disso, é uma das animações mais engraçadas dos últimos tempos, além de muito inteligente.
      Gru que se considerava o mais malvado dos vilões tem que firmar esse status de maldade ao ver surgir um vilão concorrente, Vetor. Vetor é um vilão mais jovem e com recursos tecnológicos superiores aos de Gru que passa a ser considerado um vilão velho. Gru arquiteta um plano para roubar a lua e para isso ele conta com a ajuda de Dr. Nefrário e dos simpaticíssimos Mínions. O roubo da lua, entretanto, não é um mero ato de maldade em que o vilão trocaria a lua por dinheiro. Desde criança Gru sonhava em ir para lua, ele tinha sonhos que sempre foram ignorados por sua mãe, Gru cresceu sem demonstrações de afeto. O plano do vilão inclui a adoção de três irmãs orfãs: Margo, Edith e Agnes e é essa relação entre vilão e crianças que chama a atenção.
      Inseridas no universo de Gru essas meninas de alguma forma irão lapidar a sua vilania em paternidade: é uma relação de descoberta e aceitação. De um lado as três garotas aprendem a gostar do pai adotivo e que foge ao “modelo ideal” que tinham sobre pais. Elas aprender a amar um sujeito esquisito e que demonstra ser indiferente e cruel. Por outro lado Gru terá um primeiro contato com as relações de afeto e vai se descobrir como pai, capaz de se ligar aquelas crianças e amá-las – indo de vilão a herói.
      Mas a cena que mais me chamou a atenção foi esta: Gru está no quarto e vai ler um livrinho para as meninas, um desses livrinhos com fantoches e com uma frase por página. Então ele pergunta se aquele livro era realmente para crianças, julga que uma criança de três anos poderia ter escrito aquilo.
      Há muitos livros de literatura infantil produzidos atualmente que me causam essa mesma sensação: mas isso é mesmo para criança? O autor pensou em escrever para uma criança? Alguns livros estão infantilizados demais, é como se o autor quisesse ser mais criança que a criança. Alguns livros parecem subestimar a inteligência de uma criança...
      Infelizmente, a literatura infantil é mais vista ligada ao sistema educativo do que ao literário, e por esse motivo ela fica amarrada a ditadura dos temas transversais e ao politicamente correto. A formação do leitor e do que será o gosto literário se dá na infância e é fundamental que as crianças sejam presenteadas com boa literatura. A literatura deve educar? Acredito que a resposta é afirmativa, mas acredito também que a literatura infantil não se deve restringir ao cunho pedagógico, não deve ser apenas paradidática. Literatura também deve entreter, divertir, instigar a imaginação para além das questões da sala de aula, provocar experiências tanto no campo da linguagem quanto no campo dos sentidos. Literatura deve nos afetar, nos envolver, afinal literatura é formação! E por ser formação é muito triste quando vemos o mercado literário enchendo-se de livros com “pedagogia barata”, onde pouco se pensa na criança enquanto leitor e pensa-se apenas nas adoções que esses livros podem gerar... E assim a literatura infantil fica presa apenas à escola.
      Felizmente há no mercado editorial boas exceções. Exceções que existem também no cinema, sobretudo nas animações...
      Assistir ao filme Meu malvado favorito é um deleite, e é bom ver essa história contada também em livros, pois quem criou essa história respeitou a inteligência das crianças e conseguiu envolver os adultos.
      Quanto à função e rumos da literatura infantil e até da juvenil... bom, isso é discussão para vários post´s!


Dica: para pensar sobre a literatura infantil é legal ler O que é Literatura Infantil de Lígia Cademartori, Coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense.

 

23 de agosto de 2010

Minhas experiências

      Ensinar! Nunca pude imaginar o quão prazeroso é poder passar algum conhecimento para outra pessoa, mas desde a última semana venho experimentado essa sensação.
      Já havia dado aulas particulares de Literatura e Gramática para amigos, uma coisa bem tranquila e sem compromisso... Dessas experiências, nunca senti que estava ensinando, apenas estava ajudando.
      Durante a licenciatura em Letras tive oportunidade de estagiar em salas do ensino fundamental II ao médio e confesso que fiquei apavorada. A cada sala que entrava minha vontade era de sair correndo e um pensamento tomava conta de mim: Não quero dar aula, não quero me tornar professora.
      Sinceramente, ainda não quero... Mas confesso que pela primeira vez na vida fiquei feliz em poder ensinar alguém. É uma experiência de trabalho, uma espécie de treinamento. Estou ensinando um garoto que trabalha em outra área a lidar com as coisas que dizem respeito ao departamento em que trabalho. Se ele for bem poderá melhorar de cargo...
      Esse garoto desde que soube que aprenderia outra função ficou com um sorriso no rosto, um brilho diferente no olhar... Ele faz perguntas, ele anota, ele quer fazer sozinho, quer mostrar que aprendeu! Nunca havia visto alguém tão interessado em aprender, aprender com tanta vontade e dedicação.
      Toda vez que o treinamento acaba e ele sai da sala dizendo um "muito obrigado", sou tomada por uma enorme satisfação, uma satisfação de que fiz algo útil por alguém... Essas experiências ensinam aos que ensinam também.
      Espero poder sentir essa satisfação do ensino mais vezes, e espero que hajam muito garotos como esse. Garotos que ganhem uma oportunidade de aprender, agarrem essa oportunidade e cresçam!


Porque só o ensino pode renovar nossas esperanças!

27 de julho de 2010

Cinderela: Do conto ao Cinema


Que garota, durante a infância, nunca sonhou em se tornar princesa como Cinderela? Esse conto de fadas de uma forma ou de outra sempre estará presente em nosso imaginário. Da garota mais romântica à garota mais independente sempre haverá um espaço para essa história ser recontada e reinventada.

O conto que fala sobre Cinderela é um dos mais populares do mundo, sua origem é atemporal e há inúmeras versões da história. Há nessa narrativa muito mais do que uma trama romântica. Cinderela é possivelmente um dos arquétipos mais enraizados, narrados e recontados da cultura ocidental e insere seus leitores/espectadores na linguagem dos símbolos. Desta forma, o seu eixo dramático desenvolveu inúmeras outras obras da literatura ao cinema. As diferentes versões do conto acabam por renovar, em linguagem verbal ou não, esse conto de fadas onde há uma história de amor com final feliz, incluindo elementos, ou alterando os papéis temáticos das personagens.

Basicamente, o conto aborda virtudes como a beleza, bondade, amizade, paciência e esperança. Cinderela apesar de ter essas virtudes, perdeu a proteção dos seus pais e assim, fica privada dos direitos familiares. Cinderela funciona como um símbolo da mulher pobre que ascende socialmente através do matrimonio, pois sua beleza e bondade seduzem o seu príncipe/protetor.

A versão mais conhecida para o argumento de Cinderela é essa: "Um gentil homem viúvo e com uma filha casa-se com uma viúva com duas filhas. Uma vez dona e senhora da casa, a madrasta domina o marido e maltrata a enteada. As filhas da madrasta chamam-lhe Cinderela porque está sempre suja com fuligem da chaminé; no entanto, é elegante por natureza. Um dia o filho do rei decide fazer um baile para o qual convida todas as moças distintas da região, incluindo as duas irmãs. Sozinha e humilhada, Cinderela desata a chorar. Então aparece a sua fada-madrinha que, com a varinha mágica, transforma uma abóbora numa bela carruagem, os seis ratinhos em fogosos cavalos e os seis lagartos em criados. Por último, a fada transforma os seus trapos num magnífico vestido e as suas sapatilhas num par de sapatos de cristal. Antes de se despedir, a fada-madrinha recomenda-lhe que regresse antes da meia-noite. O príncipe passa toda a noite com Cinderela, mas a rapariga sai a correr sem se despedir quando ouve a primeira balada da meia-noite. O jovem segue-a, mas não consegue alcançá-la; na fuga, Cinderela perde um sapatinho. Poucos dias depois o filho do rei anuncia que se casará com a pessoa cujo pé sirva no sapato. Todas as donzelas da corte experimentam-no, mas ninguém o consegue calçar. Apesar da zombaria das duas irmãs, Cinderela consegue experimentar o sapatinho. Para espanto de todos, ela é a bela donzela que se casará com o príncipe."

O primeiro registro dessa narrativa é de 860 a.C. na China, onde havia o costume de enfaixar os pés das meninas, o que comprometia os seus movimentos e assim, sua autonomia. Os pés pequenos/atrofiados tornaram-se um símbolo de beleza. No ocidente a primeira versão que se tem registro é do italiano Basile em 1637, mas a primeira versão a ganhar fama foi a de Perrault. Perrault fez com Cinderela o mesmo que fez com outros contos da tradição oral européias, os adaptou para o gosto da corte do Rei Luis XIV: relatando um grande baile com vestidos belíssimos, penteados, muitos criados e introduzindo o elemento do sapatinho de cristal. Na versão de Perrault há espaço para o perdão concedido por Cinderela às irmãs. Já na versão dos irmãos Grimm além de não existir a figura da fada madrinha, há espaço para a punição, pois dois pombos picam os olhos das irmãs deixando-as cegas.

A fada madrinha é um personagem muito importante no conto. Recorrendo à magia ela transforma os objetos mais humildes em artigos de luxo. De certa maneira ela representa alguém de estatuto superior ao de Cinderela, e que se torna chave fundamental para a progredir na vida. Afinal, sem a ajuda da fada, Cinderela continuaria a ser pobre. Na ausência dos pais, a fada-madrinha representa uma entidade que protege e ajuda Cinderela, e em outras versões aparecerá representada de diferentes formas.

No cinema, a versão mais conhecida é a animação clássica da Disney, de 1950.

Versões do cinema:

Cinderela:
Titulo original: (Cinderella)
Lançamento: 1950 (EUA)
Direção: Clyde Geronimi , Wilfred Jackson , Hamilton Luske
Atores: Ilene Woods , Simone de Morais , Eleanor Audley , Tina Vita , Verna Felton
Duração: 74 min
Gênero: Animação

Cinderela (Ilene Woods) vive com sua madrasta, Lady Tremaine (Eleanor Audley), e as duas filhas dela. Obrigada a trabalhar como empregada da casa, ela tem como amigos apenas os animais que a rodeiam. O local em que vive está agitado devido ao baile que será realizado no castelo, o qual contará com a presença do príncipe (William Phipps). Como Lady Tremaine pretende que uma das filhas se case com ele, elas se preparam com requinte para o evento. Cinderela, entretanto, não pode ir. Até que surge a Fada-madrinha (Verna Felton), que dá a Cinderela um vestido e condições para que possa ir ao baile em alto estilo. Entretanto há uma condição: Cinderela precisa retornar antes da meia-noite, caso contrário o feitiço será desfeito.

Para Sempre Cinderela:
Titulo original: (Ever After)
Lançamento: 1998 (EUA)
Direção: Andy Tennant
Atores: Drew Barrymore , Anjelica Huston , Dougray Scott , Patrick Godfrey , Megan Dodds
Duração: 120 min
Gênero: Romance

Nesta versão a rainha da França chama os irmãos Grimm no palácio para dizer que aprecia muito a obra deles, mas que a história da Gata Borralheira não foi contada corretamente. Desta forma começa a narrar que sua tataravó Danielle ficou feliz quando o pai se casou novamente. Quando o pai falece, a madrasta e uma das irmãs revelam sua maldade, Cinderela conhece o príncipe, príncipe Henry, antes do baile. Não há fada-madrinha, mas a ajuda de Leonardo Da Vinci.

A Nova Cinderela:
Titulo original: (A Cinderella Story)
Lançamento: 2004 (EUA)
Direção: Mark Rosman
Atores: Hilary Duff , Jennifer Coolidge , Chad Michael Murray , Dan Byrd , Regina King
Duração: 96 min
Gênero: Comédia Romântica

Sam Montgomery (Hilary Duff) é uma jovem estudante do ensino médio, que vive com sua madrasta Fiona (Jennifer Coolidge) e as filhas dela, que a tratam da pior maneira possível. Sam leva uma vida sem grandes agitações e tem planos de cursar a Universidade de Princeton. Sua vida muda quando ela conhece, através da Internet, seu príncipe encantado. Porém logo Sam descobre que ele é na verdade Austin Ames (Chad Michael Murphy), um garoto popular que é também jogador de futebol americano do time de sua escola. Temendo ser rejeitada por Austin, ela passa a tentar despistá-lo de todas as formas, tentando manter em segredo a identidade da garota com quem ele conversou através da Internet.

Deu a Louca na Cinderela:
Título original: (Happily N'Ever After)
Lançamento: 2007 (Alemanha) (EUA)
Direção: Paul Bolger , Yvette Kaplan
Atores: Andy Dick , Sarah Michelle Gellar , Freddie Prinze Jr. , Lisa Kaplan , Patrick Warburton
Duração: 87 min
Gênero: Animação

Como está tudo programado no mundo dos contos de fada para que haja um final feliz, o Mago (George Carlin), responsável pelo equilíbrio entre as forças do bem e do mal, decide sair em férias. Ele deixa seus assistentes, Mambo (Andy Dick) e Manco (Wallace Shawn), cuidando de tudo. Porém um erro faz com que Frieda (Sigourney Weaver), a madrasta da Cinderela, tenha a posse do cajado mágico. Seu objetivo é tomar o controle do mundo de contos de fada, fazendo com que os vilões vençam e que os finais das histórias jamais sejam felizes novamente. Isto faz com que Cinderela (Sarah Michelle Gellar), mais conhecida como Ella entre os amigos, tenha que encontrar um meio de deter Frieda, contando com a ajuda de Rick (Freddie Prinze Jr.), Manco, Mambo e um exército composto de fadas e anões.

Versões indiretas do conto:

Sabrina:
Titulo original: (Sabrina)
Lançamento: 1954 (EUA)
Direção: Billy Wilder
Atores: Humphrey Bogart , Audrey Hepburn , William Holden , Walter Hampden, John Williams
Duração: 113 min
Gênero: Comédia Romântica

Dois irmãos pertencem à uma poderosa família, sendo um deles (Humphrey Bogart) é um empresário incansável e o outro (William Holden) é um playboy incorrigível. Mas quando a filha do motorista (Audrey Hepburn) retorna de viagem, após passar dois anos em Paris, o playboy se modifica e, como ela sempre foi apaixonada por ele, tudo seria muito fácil de acontecer. Mas se os dois se casarem um poderosa fusão deve ser prejudicada, assim o irmão empresário decide intervir e também acaba se apaixonando por ela.

Cinderela em Paris:
Titulo original: (Funny Face)
Lançamento: 1957 (EUA)
Direção: Stanley Donen
Atores: Audrey Hepburn , Fred Astaire , Kay Thompson , Michel Auclair , Robert Flemyng
Duração: 103 min
Gênero: Comédia Romântica

Um famoso fotógrafo de modas, Dick Avery (Fred Astaire), trabalha para a Quality Magazine, uma conceituada revista feminina. Dick cumpre as determinações da editora da revista, Maggie Prescott (Kay Thompson), que não está satisfeita com os últimos resultados e tenta encontrar um "novo rosto". Dick o acha em Jo Stockton (Audrey Hepburn), uma balconista de uma livraria no Greenwich Village onde um ensaio fotográfico ocorrera recentemente. Após certa resistência, Maggie aceita Jo como a modelo que irá à Paris para fotografar e ser o símbolo da Quality. Jo só concorda pois lá poderá conhecer Emile Flostre (Michel Auclair), um intelectual cujas idéias ela idolatra. Entretanto, ao chegarem em Paris as coisas não correm como o planejado.

Cinderela às Avessas:
Título Original: Maid to Order
Gênero: Comédia, Família
Direção: Amy Holden Jones
Elenco: Merry Clayton (Merry Clayton)Valerie Perrine (Georgette Starkey)Michael Ontkean (Nick McGuire)Dick Shawn (Stan Starkey)Beverly D'Angelo (Stella)Ally Sheedy (Jessie Montgomery)Tom Skerritt (Charles Montgomery)Begonya Plaza (Maria)Rain Phoenix (Brie Starkey)
Lançamento: 1987
Duração: 93 minutos

Menina, órfã de mãe, mora em Beverly Hills e é muito mimada pelo pai, que faz estranho pedido aos céus e muda a história da família.

Uma Linda Mulher:
Titulo original: (Pretty Woman)
Lançamento: 1990 (EUA)
Direção: Garry Marshall
Atores: Richard Gere , Julia Roberts , Ralph Bellamy , Jason Alexander , Laura San Giacomo
Duração: 119 min
Gênero: Romance

Magnata perdido (Richard Gere) pede ajuda uma prostituta (Julia Roberts) que "trabalha" no Hollywood Boulevard e acaba contratando-a por uma semana. Neste período ela se transforma em uma elegante jovem para poder acompanhá-lo em seus compromissos sociais, mas os dois começam a se envolver e a relação patrão/empregado se modifica para um relacionamento entre homem e mulher.

Cinderela Baiana:
Título original: Cinderela Baiana
Gênero: Comédia
Duração: 85min.
Lançamento: 1998
Direção: Conrado Sanchez
Elenco: Carla Perez, Alexandre Pires,Perry Salles, Lázaro Ramos

Carlinha, menina pobre, mora numa favela no sertão da Bahia. Ainda pequena perde a mãe, que morre do coração, e muda-se com o pai para Salvador. Na capital baiana, o pai torna-se advogado e Carlinha dança nas ruas com os meninos do Pelourinho, até ser descoberta pelo empresário inescrupuloso Pierre, que passa a explorá-la. Acaba atingindo a fama e encontrando seu príncipe encantado, um popular cantor de pagode.

Cinderelas, Lobos & Um Príncipe Encantado:
Titulo original: (Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado)
Lançamento: 2009 (Brasil)
Direção: Joel Zito Araújo
Atores: Joel Zito Araújo
Duração: 107 min
Gênero: Documentário

Cerca de 900 mil pessoas atravessam as fronteiras internacionais para atender ao mercado de exploração sexual. Apesar de todos os perigos, várias mulheres entram neste universo por acreditar que possam mudar de vida e encontrar um príncipe encantado.

***Esse texto foi produzido por Natália Chagas para matéria de Literatura Infantil e Juvenil I: Linguagens do Imaginário da Faculdade de Letras da USP. Matéria ministrada pela Profa. Dra. Maria Zilda Cunha.

*** Fontes:
. EDITORA PLANETA DEAGOSTINI. Cinderela. In: Bonecas de conto de porcelana.
. LEONEL, Maria Célia; NASCIMENTO, Edna M. F. S. CINDERELA NA LITERATURA E NO CINEMA. In: IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada. UNESP/Araraquara.
. MESSIAS, Érica Lara; MODA, Luana de Oliveira; GARCIA, Suzana Balbino Garcia. Dois sapatinhos e uma Cinderela: O diálogo entre o conto Cinderela e os filmes Cinderela e A Nova Cinderela. UNI-FACEF, Franca, 2007.

10 de julho de 2010

Meus textos - O narrador e a vida moderna aplicada à escola

      No ensaio intitulado O narrador, Walter Benjamin discute sobre a questão da narrativa e das experiências que são registradas ali, as narrativas são uma forma de registro da memória. Já em 1936, Benjamin previa que o advento da modernidade resultaria numa morte da narrativa, a sociedade baseada numa experiência coletiva estava em declínio, assim, o papel do narrador encontrava o seu fim na sociedade moderna.
      Hoje, 74 anos após, o texto do pensador alemão ainda suscita discussões e tais discussões, podem ser pensadas a partir de uma avaliação da educação nos tempos atuais. Há espaço para a narrativa no mundo contemporâneo, a narrativa ainda sobrevive de alguma forma?
      Benjamin, em seu texto, fala de “Erfahrung”, e esse termo alemão significa a experiência. Erfahrung não uma experiência qualquer, mas uma experiência que é fruto da tradição, formada como uma espécie de longa viagem e que leva tempo para ser sedimentada. Podemos dizer que é a experiência coletiva e se essa experiência sofre rupturas, se há redução nessa formação da tradição, então, a experiência dá lugar à vivência. Essa vivência é dada pelo termo “Erlebnis”, que representa a vivência individual, ou seja, a tradição ou a experiência coletiva sofre um empobrecimento.
      Essa transição da experiência para a vivência é uma transição do caráter coletivo para a personalidade. Em suma, a experiência que era pública tornou-se uma experiência que é particular. A modernidade deu espaço para a sociedade de produção de massa, as narrativas vão sendo tediosamente reproduzidas e assim, as informações não são mais pensadas.
      As informações não pensadas são um problema no âmbito escolar, ao que parece a escola não achou espaço significativo no mundo moderno. Os alunos parecem não entender o real papel da escola, não conseguem atentar para o conhecimento dos seus professores, e ao mesmo tempo, a escola parece estar alheia a essa ruptura que ocorreu. A narrativa, tal qual como concebida por Benjamin, isto é, como uma arte ou dom de se contar histórias perdeu o seu sentido hoje.
      As experiências passadas não são retidas pelos alunos de hoje, pois a educação também foi massificada. Antigamente, a escola era vista como formadora de seres pensantes, formava “homens”, formava cidadãos que conheciam e respeitavam as experiências dos mais velhos. Os alunos aprendiam com a História e com as histórias, eles a compreendiam, retiam e as narravam para os mais novos. Hoje a educação, ou melhor, o sistema educacional não se preocupa em formar pensadores, o sistema está preocupado com números. O conhecimento não é mais transmitido, mas sim, superficialmente repassado. O sistema apostilado é um claro exemplo disso, pois as informações são multifacetadas, “picadas” e não há aprofundamento algum no conteúdo das disciplinas. As informações passadas por esse sistema de ensino não permitem que os alunos façam correlações, e assim eles não podem pensar sobre o que esta sendo ensinado.
      A massificação da educação prejudicada a escola à medida que tira dos professores o papel e o poder da narrativa e tira dos alunos a capacidade de serem ouvintes dessas narrativas. Desta forma, a escola perde o seu sentido tanto para quem ensina quanto para quem é ensinado. E o local que deveria ser uma sede de transmissão do conhecimento dá lugar ao vazio, ao declínio do aprendizado. Esse declínio resulta em professores desestimulados, desiludidos com a atividade docente e em alunos desinteressados, indisciplinados e sem perspectivas de futuro.
      No entanto, todo o declínio ou todo fim dá lugar e espaço para o surgimento de uma nova era. A narrativa, tal como Benjamin a conheceu certamente morreu. No entanto, não devemos pensar a modernidade como um mal e sim como um espaço em que novas narrativas devem surgir. A sociedade contemporânea deve buscar uma nova forma de narrar, o narrador moderno talvez não esteja baseado no registro da memória, mas no registro de outros acontecimentos que nos cercam. A arte de narrar histórias, narrar experiências é uma arte que pode ser continuada, desde que encontremos uma formar de reinventá-la, devemos reciclar a narrativa.


BENJAMIN, W. O Narrador. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.