Minhas Pesquisas

Aqui está parte da minha pesquisa de Iniciação Cientíca feita na Faculdade de Letras da USP, sob orientação do Prof. Dr. Émerson Inácio. Segue o relatório parcial da minha IC que discorre sobre as letras de samba-enredo do carnaval carioca que têm a África como tema.

1. Apresentação: O tema da pesquisa nasceu da observação de questões africanas trazidas pelas letras de samba-enredo do carnaval brasileiro. O despertar para observação dessa questão surgiu, primeiramente, com o enredo: “Áfricas: Do berço real à Corte Brasiliana”, trazido em 2007/2008 pela escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, do Rio de Janeiro. O enredo foi capaz de despertar debates veementes, debates sobre se há ou não mentira sobre a forma como a África é retratada pelas letras de samba-enredo. Decifrar verdades e mentiras, mitos e história real tornaram-se uma necessidade, ainda mais levando-se em conta a lei 10.639 que determina o ensino de História e Culturas de base africana nos ensino fundamental e médio. A lei e o fascínio pela temática nos mostram o quão necessário é refletir sobre a influência da cultura africana sobre a cultura brasileira.
2. O Projeto: Quando a idéia de efetuar uma pesquisa sobre África e samba-enredo foi apresentada ao orientador desta pesquisa, o seu desenvolvimento foi aos poucos se lapidando. Logo foi nascendo o projeto “Literatura e Cultura Popular: A representação de África nas letras de samba-enredo” que contou com a incorporação de outros membros para a pesquisa. A primeira coisa a se buscar foi à definição de um corpus para a pesquisa; assim, chegamos à conclusão de que ele seria composto pelos enredos de tematização “afro” dos carnavais do Rio de Janeiro e de São Paulo, particularmente pelos enredos cariocas de 1988 a 2008 e de São Paulo de 1989 a 2008. Assim, temos na estrutura do projeto vários projetos menores que se articulam para formar o projeto maior; temos um entrecruzamento das “leituras” dos diversos componentes do grupo e a sua divisão. A divisão consiste em que cada membro do projeto faça uma análise a partir do corpus destinado, considerando os seguintes aspectos: África e sua representação, o negro e sua representação e por fim, de onde parte o enredo e o que quer alcançar (do saber popular, da tradição, ou da erudição?). O eixo metodológico deste projeto é fundamentado na análise do discurso francesa e também na teoria do pensamento bakhtiniano. A primeira letra a ser analisada, foi comum ao grupo todo. A referida letra é “Kizomba, A Festa da Raça”, que a Unidos de Vila Isabel trouxe para avenida no carnaval de 1988. Este ano tornou-se uma chave para as análises do projeto, pois marcou os 100 anos de abolição do regime escravocrata no Brasil. A parte que coube à redatora deste relatório parcial foi à análise do corpus composto pelos enredos entre 1998 e 2008. Os sambas-enredo analisados foram: “Negra Origem, negro Pelé, negra Bené” (Caprichosos de Pilares); “Dom Obá II – Rei dos esfarrapados”, “Príncipe do povo” (Estação Primeira de Mangueira); “Liberdade! Sou negro, sou raça, sou Tradição” (Tradição); “Zumbi, rei de Palmares e herói do Brasil – A História que não foi contada” (Caprichosos de Pilares); “Agudás, os que levaram a África no coração e trouxeram no coração da África o Brasil” (Unidos da Tijuca); “Áfricas, Do berço real à Corte brasiliana” (Beija-Flor de Nilópolis); ‘Preto e Branco a Cores”(Unidos do Porto da Pedra) e “Candaces” (Unidos do Salgueiro).

3. Relatório: Cada letra de samba-enredo foi analisada separadamente e em cada uma delas buscou-se encontrar as depreensões que temos da África. A finalidade dessas análises foi a de descrever a forma como a África é apresentada nessas letras, uma vez que majoritariamente tal visão apresenta um viés mítico e que não condiz com a realidade do continente. Essas análises são feitas com base na análise do discurso francesa, sendo assim analisado o discurso que “rege” o pensamento que o Brasil tem acerca do continente africano. Através das letras de samba-enredo buscamos elementos pertencentes à cultura e tradição africana e seus referenciais na cultura brasileira: alimentos, religião, tribos/povos, dialetos etc. Muito da história contada por essas letras é fruto do que muitos livros didáticos nos fizeram pensar até hoje sobre África. Muito, também, é pertencente ao imaginário popular dos descendentes africanos que têm em sua mente uma memória de África na qual não viveram verdadeiramente. Para as análises, não foram usados apenas elementos referentes à análise do discurso, também nos pautamos em teóricos que realizaram estudos sobre cultura popular, história do samba no Brasil e sobre cultura afro-brasileira. Até o momento, foram realizadas as leituras dos textos de: Nei Lopes, Rogério Saturnino, José Ramos Tinhorão, Rodrigo Duarte, Raymond Williams, Alfredo Bosi, Peter Burke, Mikhail Bakhtin e Sérgio Cabral. Além disso, até a conclusão do projeto, muitas outras leituras estarão em processo. Todos estes pensadores são importantes à medida que tecem reflexões sobre as culturas populares e suas influências na sociedade e literatura. Alguns deles funcionam como chave para entendermos o real significado dos termos tais como cultura, sociedade, discurso e literatura. Outros nos levam a pensar sobre a importância da formação da história do samba, do seu nascimento musical e na sua dança, pois são frutos da herança que a música e dança africanas deixaram em nosso país. Ao observar a história do samba temos a confirmação de que o sangue que corre nas veias da cultura do Brasil é sangue genuinamente provindo da África ou, pelo menos afetivamente, tido como tal. Desta forma, deveríamos ter uma preocupação com uma abordagem mais realista da História Africana e não ficarmos nos embasando somente em histórias fantásticas da tradição oral, que muitas vezes podem induzir a um juízo falso sobre as culturas de base africana no Brasil. No caso, devemos pensar na associação entre os saberes populares e os cada vez mais crescentes saberes eruditos que têm sido construídos a respeito do continente negro. No entanto, a partir das análises até agora realizadas, pensamos que talvez o fato de cantarmos apenas a África mítica e sonhada seja produto do espetáculo midiático. O mítico é muito mais interessante aos olhos encantados que acompanham o carnaval que necessariamente a história real. Analisar as letras de samba-enredo não é uma tarefa fácil, pois primeiro temos que desautomatizar os olhares fantasiosos sobre o continente africano. Temos que partir do ponto de que a África cantada nos enredos carnavalescos é real apenas no tempo de duração dos desfiles, ou seja, neste período a ficção vira realidade na encenação que no desfile se realiza. Essa visão liberta torna-se difícil se pensarmos que até hoje o que nos é ensinado sobre África não é aprofundado e nem suficiente, já que em momento anterior a PEP 10.639, a África surgia apenas para nos mostrar de onde vinham os escravos trazidos ao continente americano e de onde as potências européias tiravam tantas riquezas. Outra dificuldade é que ainda há muito preconceito quando se trata de África e de cultura popular. Por outro lado, os estudos e análises sobre carnaval, samba e África despertam comentários muito “apaixonados” e instigantes. Quanto mais se estuda e descobre, mais surge à vontade de descobrir coisas novas e acrescentar novas pontuações à pesquisa. De um lado há quem diga que a História e as letras de samba-enredo mentem sobre a África; por outro, há quem diga que a própria tradição e imaginário africanos mentem sobre o continente negro. Verdades ou mentiras, a realidade é que essas questões hão de sempre despertar fascínio em quem as encara como objeto de análise e pesquisa. No que diz respeito aos resultados das discussões sobre a temática, pode-se dizer que essas discussões estão ainda sendo processadas. Mas estamos confrontando o conteúdo das letras de samba, como as imagens recorrentes nas literaturas africanas de língua portuguesa. Há conflitos entre a forma como o Brasil, particularmente o samba e o carnaval, vê a África e como a própria África se autopercebe. O que podemos dizer é que até o momento, inferimos que o samba foi se tornando, assim, um sonho de liberdade para os negros daqui, que desconheciam a realidade africana passada e presente. Contar um pouco da história do samba no Brasil, das suas origens aos dias de hoje e assim discutir a nossa visão de África através do samba, contrastando-a com as imagens que comumente são representadas no material literário, se faz cada vez mais necessário, já que esses estudos permitem colocar lado a lado a África imaginária e a África real. Espera-se que até o final da pesquisa haja um esboço mais minucioso sobre a imagem de África tão cantada em nosso carnaval.
4. Referências Bibliográficas: BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. São Paulo/Brasília: Hucitec/EdUNB, 1996. BOSI, Alfredo (org.). Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1999. BURKE, Peter. Cultura popular na Idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. São Paulo: Lumiar, 1996. DUARTE, Rodrigo. Teoria Crítica da Indústria Cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2007. LOPES, Nei. “A presença africana na música popular brasileira”. In: http://www.academiadosamba.com.br/memoriasamba/artigos/artigo-172.htm SATURNINO, Rogério. Carnavais e Intelectuais. TINHORÃO, José Ramos. Cultura Popular: temas e questões. Editora 34. TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: um tema em debate. Editora 34. WILLIAMS, Raymond. Palavras-Chave: um vocabulário de cultura e sociedade. Boitempo editorial.

Por: Natália Chagas

2 comentários:

  1. Este conteúdo é fundamental, não só por apoiar a militância das questões afro, mas também por esclarecer toda a importância dos sambas enredos, conferindo-lhes historicidade. Através disso, é possível perceber com maior intensidade a ligação da contemporaneidade brasileira com a África.
    Um bonito trabalho que merece continuação!
    Sucesso!

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  2. quero ler sua tese sobre samba. onde é que posso lê-la? estou escrevendo uma tese de doutorado parecida com a sua. Se for possível, me manda sua tese--sbocskay@gmail.com
    abraço!

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