18 de outubro de 2010

Poesia da negritude moçambicana: antecedentes e desdobramentos






   A poesia moçambicana é caracterizada pela busca da construção de uma identidade nacional, não há uma identidade moçambicana preexistente, mas sim construída. Os poetas moçambicanos têm a plena consciência dessa construção que é formada pelos processos históricos, assim, a construção da identidade da negritude moçambicana é dada pelas experiências políticas e culturais pelas quais Moçambique passou.

   Antes de qualquer coisa, devemos refletir sobre o termo “negritude”. Esse termo começou a surgir no final da década de 30, na poesia de Aimé Césaire. Desencadeando um movimento de literário cultural de poetas negros que vivam na França. Em suma, um movimento que buscava resgatar a herança cultural africana, baseado no conceito de pureza étnica. Esse termo por ser polissêmico, acabou gerando diversas interpretações e críticas. Havia apoiadores e os opositores, que alegavam que esse movimento da negritude ao buscar a criação de uma identidade (sobretudo poética) sobre o que é “ser negro, ser africano”, estava ao final criando uma espécie de segregação, julgavam o termo preconceituoso. No entanto, esse movimento iniciado por negros que viviam na França, desencadeou movimentos da negritude em outros países.

   O surgimento do movimento em países de colonização portuguesa coincidiu com o ápice do regime salazarista acarretando em um silenciamento do movimento. Após os movimentos de libertação das nações africanas, a expressão “negritude” ganhou um novo fôlego, novos debates e significações e misturou-se a termos como: africanidade, angolonidade, moçambicanidade, etc. Enfim, nada além do que uma grande busca por encontrar uma forma de expressar a sua própria cultura.

   É nesse cenário, pós-independência que a poesia moçambicana começa a se revelar de forma mais expressiva. A independência de Moçambique e de outras colônias portuguesas em África fez com que surgisse uma necessidade de se criar identidades africanas, essas identidades deveriam mostrar um olhar propriamente africano perante o mundo. E em cada colônia a construção de uma identidade nacional se deu de uma forma diferente.

   Podemos dizer que, em Moçambique, os poetas que iniciaram a chamada segunda fase da literatura moçambicana, começaram a se revelar a partir de 1945. Noémia de Sousa é considerada uma das pioneiras da moderna poesia moçambicana, pelo sentido e nascimento de sua poesia, foi uma das primeiras poetas a protestar contra o sistema colonial. Denunciou as mazelas, as tragédias as quais os negros eram expostos e clamou por liberdade. Noémia evocava a “Mãe-África”, valorizando a cultura africana. Outra figura importante na poesia de Moçambique é o poeta José Craverinha, que possui um lugar central na literatura moçambicana. Se Noémia foi pioneira, Craverinha foi o poeta que realmente começou a dar formas para aquilo que se chamaria de identidade nacional moçambicana, foi o principal formador do discurso moçambicano.

   A poesia de Noémia de Sousa trata muito mais a questão negra/africana geral do que a questão moçambicana. Craverinha parte desse mesmo sentido, no entanto, é a sua poesia que vai se desenvolvendo para questões propriamente de Moçambique. Em sua poesia, José Craverinha, trata de questões sociais: relação empregador/empregado, subalternidade; imagem do colonizador e colonizado. Vale lembrar que o poeta é de origem portuguesa, mas cresceu em Moçambique e quando o país de tornou independente de Portugal ele optou pela cidadania moçambicana. Por isso, a questão da descaracterização portuguesa é outro grande tema de sua poética, em um dos seus poemas, dedicado ao seu pai essa imagem fica muito clara. “Ao meu pai...” se inicia com a figura do homem forte que era seu pai, um português puro, mas à medida que o pai adoece há uma descaracterização da típica figura do português, assim seu pai se “moçambiquiza” ao morrer. Desta forma, o que não se origina como moçambicano, pela memória vai se moçambicano. É uma memória criada, e essa memória inventada também é uma característica da poesia da negritude moçambicana.

   Obviamente, há outros importantes poetas na poesia de Moçambique, mas foram citados apenas dois exemplos para poder ambientar as características centrais dessa poesia. Há forte ligação política no processo de formação da poesia moçambicana que buscava criar sua identidade. As marcas deixadas pelo período em que Moçambique foi colônia portuguesa e a necessidade de se libertar desse período representa uma forte influência na poesia desse país. A poesia moçambicana ganha força na medida em que cresce uma necessidade de expressão, de expressar tudo o que havia sido silenciado pelos anos de opressão. A idéia sobre o que quer dizer “ser moçambicano” é pungente em todos os poetas, sejam eles ligados ou não às novas diretrizes políticas de Moçambique. Parece que a poética moçambicana é recheada de perguntas sobre sua história, formação e passado. Essas dúvidas são dissolvidas com respostas criadas, preenchidas com realidade e fantasia. Há caracterizado na poesia de Moçambique uma atitude “calibanesca”, atitude de apropriação do outro, uma apropriação das técnicas ocidentais para se encontrar uma forma de expressão particular. Talvez, a mais significativa característica da poesia da negritude moçambicana seja a eterna busca. Busca pela criação de sua identidade de “ser moçambicano”, e para eles não importa que essa identidade seja criada, imaginada ou inventada, desde que seja a identidade de Moçambique, desde que seja a sua expressão. Ser negro, ser africano, pelos parâmetros de ser moçambicano é uma incessante construção. A negritude moçambicana em sua poesia mostra que a identidade de um povo sempre estará em processo de formação, apropriada ou inventada, a formação de identidade nunca deixa de ser construída.




Bibliografia:

. LABAN, Michel. Moçambique, encontro com escritores. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida, 1998. V.1 (Entrevista com Noémia de Sousa).
. MACEDO, Tânia; MÂQUEA, Vera. Moçambique. In Literaturas de Língua Portuguesa: Marcos e Marcas. São Paulo: Arte & Ciência, 2008.
. SILVA, Manoel de Souza e. Do Alheio ao Próprio: A poesia em Moçambique. São Paulo: EDUSP, 2008.

Um comentário:

  1. Diz o Dr. Daisaku Ikeda em seu poema: Brasil Seja Monarca do Mundo. [...]"Um povo autêntico pode até ser humilhado, mas nunca destruido. Quanto mais escarnecido, mais forte se levanta".[...]

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